Florença antiga
Quando o puritano pregador dominicano Savonarola tentou expurgar Florença de seus “maus hábitos”, substituindo as obcenas canções de carnaval por cânticos de louvor, o povo correu das igrejas para as tavernas.
Quando Lourenzo di Medici (foto) chegou ao poder em 1469, a Renascença italiana estava em pleno florescimento. Acolhendo os intelectuais mais brilhantes em seu palácio e patrocinando artistas legendários como Botticelli e Michelangelo, Lorenzo ajudou esse florescimento a revestir-se de exuberantes cores. Ele ficou conhecido como “Lorenzo, o Magnífico”, um homem que parecia viver doze vidas ao mesmo tempo, o arquétipo do “homem renascentista”. Contudo, uma de suas realizações menos reconhecidas diz respeito a uma paixão pela música. Os filósofos de sua corte acreditavam que a música purificava a alma, aproximando-na mais de Deus, sendo a fonte da “Harmonia Universal”; o próprio Lorenzo era cantor e escrevia poemas para serem musicados.
Na Florença do séc. XV, maio e junho eram meses de carnaval. Em uma festa tradicional conhecida como Calendimaggio (foto), os florentinos celebravam o santo padroeiro da cidade – São João – e a volta da primavera, usando máscaras e desfilando pelas ruas e cantando as antigas “canções de maio”. Essas formas simples de música popular do séc. XV tinham sido transmitidas, de geração em geração, principalmente pela tradição oral, com harmonizações improvisadas.
No reinado de Lorenzo, as celebrações do carnaval tornaram-se intensas e elaboradas. A talentosos poetas e músicos, ele encomendava novas canções – os canti carnavaleschi –, e ele mesmo chegou a escrever muitas delas. “Como é doce a juventude, mas tão fugidia”, medita ele em O Triunfo de Baco. “Quem quiser que se alegre, pois quem sabe o que o amanhã reserva?”
Além disso, Lorenzo sabiamente agradava às pessoas comuns escrevendo seus poemas no dialeto toscano, e não em latim, no que foi seguido por seus contemporâneos. Algumas dessas canções captavam um pouco da vida cotidiana de Florença, com alusões claramente eróticas.
Todo o colorido e a vibração do carnaval, com seus carros alegóricos (sim, já existiam naquela época), quadros vivos, o poderoso som dos instrumentos, máscaras grotescas e bandeiras pintadas pelos grandes pintores da cidade, deve ter sido uma maravilha para os espectadores. Para se ter uma ideia das festividades, ouça ao exuberante “Palle palle palle” no player abaixo, a peça instrumental que abria o carnaval.
Mas a alegria não poderia durar para sempre.
Lorenzo de Medici morreu em 1492 (ano que Colombo “descobriu” a América) e foi sucedido por seu filho Pietro (foto), que comandou Florença por apenas dois anos, antes de ter sido expulso quando a Itália foi invadida pelos franceses. Os Medici foram exilados, Florença foi declarada república, e o terrível pregador dominicano Savonarola ascendeu ao poder. Desgostoso pelos vícios e a luxúria de seus predecessores urbanos, e convencido de que o Apocalipse estava próximo, Savonarola proclamou Jesus Cristo rei de Florença e assumiu a missão de purgar a cidade de seus “maus hábitos”. Seu maior alvo foi o carnaval.
Sob Savonarola (foto), o desfile transformou-se em uma procissão penitencial, as canções libidinosas foram substituídas por laudatórias, nos carros alegóricos os mascarados foram substituídos pela Morte armada com sua foice e ataúdes de onde saiam esqueletos entoando lamentos. O alegre evento dos Medici transformou-se no Carnavale con croccifisso.
O povo de Florença não estava na da satisfeito, tendo desertado das igrejas em favor das tavernas da cidade. Mas seu infortúnio teve breve duração. Savonarola logo selou seu próprio destino ao se voltar contra o Papa e desafiar Roma abertamente, mesmo depois de ter sido excomungado. Ele foi queimado na fogueira em 23 de maio de 1498.
Mas o fantasma de Savonarola continuou a rondar a cidade. Mesmo depois de a família Medici ter sido reconduzida ao poder em Florença, no início do séc. XVI, o carnaval nunca mais conheceu seu antigo esplendor, deslocando-se das ruas para os palácios. E a música tornou-se mais recatada, deslocando-se das danças populares para se aproximar do madrigal. A festa havia terminado.
Queima ele!!
AUDIÇÃO COMENTADA
Isaac, Anônimo florentino, música de carnaval - “Palle, palle, palle, “Visin, Visin”
00:00 – A Palle, palle, palle, uma peça instrumental, abria o carnaval de maio. Escrita pelo compositor oficial dos Medici, Heinrich Isaac, as palle eram as bolas representadas no brasão de armas dos Medici (foto).
01:58 – Visin, visin, uma libidinosa canção de limpador de chaminés, descreve a importância de se manterem as chaminés bem limpas para que elas não se incendeiem (se é que me entendem…).
Fonte: Revista Classic CD nº 21
‘té mais!
2 comentários:
Muito bom seu blog, estou seguindo-o!
Caso goste do meu também, fique a vontade pra seguí-lo também.
http://loreniitaahh.blogspot.com/
Um abração carioca,
LL
pelo menos o carnaval dakele tempo era vestido; se depois q veio pro brasil, a desgraça rola solta
Postar um comentário
Seu comentário é muito importante, todos que são publicados são respondidos, mas antes de escrever, leia as normas do blog:
Você pode: Opinar, elogiar, criticar, sugerir, debater e discordar.
Mas NÃO PODE ofender, insultar, difamar, divulgar spam, fazer racismo, ou qualquer tipo de conteúdo ilegal, além de usar palavras de baixo calão de maneira gratuita.
Obrigado por sua participação, fico na expectativa de seu retorno!