Em 1790 e 1794, Joseph Haydn, então com seus 60 anos e afetuosamente chamado de “papai”, fez duas famosas visitas a Londres. Nessa cidade, ele descobriu a liberdade artística. Os dias de incessante produção musical para atender aos irmãos Esterházy, príncipes da Hungria, já haviam passado, pois nessa época os melhores compositores da Inglaterra eram pagos para escrever para os concertos públicos. “Como é doce um pouco de liberdade!”, escreveu ele, “… embora minha mente esteja sobrecarregada por uma multidão de tarefas… a certeza de que não sou mais um servo contratado compensa todos os meus problemas”.
Durante a primeira visita de Haydn a Londres, ele ouviu os oratórios de Londres executados por forças enormes – que chegavam a 1000 executantes – na Abadia de Westminster (foto). Encantado com essas obras-primas, muitas das quais foram compostas no final da vida de Haendel, 40 ou 50 anos antes, Haydn voltou a Viena com um libreto que, como se afirma, havia sido preparado para o próprio Haendel, e pediu ao bibliotecário do Imperador que o traduzisse.
Assim surgiu “A Criação”, um grande oratório dedicado ao homem comum e que Haydn levou dois anos para escrever. “Pretendo que ele dure muito tempo”, afirmou ele. Haydn não tinha com que se preocupar. Na década seguinte, 45 apresentações só em Viena e o sucesso por toda a Europa garantiram a fama e a atração permanente da obra.
Em uma época abalada por incertezas, “A Criação” foi um notável testamento de fé do compositor: “Nunca fui tão piedoso quanto ao escrever A Criação. Toda manhã eu me ajoelhava e orava a Deus para que me desse forças para o trabalho”, afirmou ele. O oratório capta seu encanto pelo homem, os animais e a natureza, bem como a gratidão a Deus por sua criação, misturando citações familiares dos livros do Gênese e dos Salmos com linhas retrabalhadas do “Paraíso Perdido” de Milton.
A libertação de Haydn do servilismo e do patronato da corte, bem como sua dedicatória d’A Criação ao homem comum fazem eco aos tempos agitados em que o compositor vivia. A época do Iluminismo, com suas desordenadas manifestações de elegância e opulência, corroboradas pela complacente racionalidade e o poderio aristocrático, foi feita em frangalhos pelas Revoluções Americana e Francesa, que sublevaram e fragmentaram todo o mundo ocidental. O Iluminismo havia-se transformado em Era da Revolução – industrial, política e social – , bem como numa era de guerras.
O caráter urbano e cortês da música das épocas Barroca e Clássica então cedeu lugar à música revolucionária no início do século seguinte – com a explosiva e radical sinfonia “Heroica” de Beethoven como seu arquétipo.
Embora Haydn fosse unanimemente reverenciado ao falecer em 1809, sua música era antiquada se comparada com a de Beethoven. Contudo, em termos musicais, a revolução tinha uma grande dívida para com a contenção e o refinamento dos clássicos: particularmente em suas sinfonias e quartetos Beethoven apropriou-se das sólidas bases de seu predecessor e sobre elas criou obras que se elevam muito acima da paisagem musical do século seguinte.
A CRIAÇÃO – J. HAYDN
Audição e análise do trecho:
Parte 2 –“Vollendett ist das grosse Werk” – Início
A Criação de Haydn está cheio de vívidas imagens que descrevem todas as glórias da criação com surpreendentes detalhes programáticos. Podemos ouvir ou animais rasteiros, o leão saltando, o vento soprando e – no prelúdio que introduz o surgimento do sol – quase se consegue sentir o calor que emana da música. Neste coro de agradecimento Haydn exibe sua capacidade de escrever para múltiplas vozes.
00:13 – Completa está a gloriosa obra do Senhor. Em alto e bom som rejubilemo-nos e lovemos a Deus.
01:27 – Gabriel, Uriel, Rafael: Todas os seres vivos esperam em Ti; a Ti eles imploram por seu sustento.
02:00 – Tu abres Tua mão e alimenta a todos eles.
03:01 – Rafael: Mas como Tua face não se mostra a eles, o terror os acomete quando lhes tira o alento e eles desaparecem no pó.
03:57 - (trio) Mas que Teu alento continue a soprar-lhes a vida e renovar-lhes o vigor.
Fonte: Revista Classic CD, edição nº 17
O tempo total do oratório é de 129:07.
‘té mais!
2 comentários:
Olá Rodrigo,
É sempre bom temos espaço para a divulgação de musicas imortais e compositores geniais...
Parabéns pela tua postagem..
Abraço
Muito obrigado! Conte comigo nesta luta!
Abç!
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