Impunha devoção, fazia cantar e dançar, ensinava histórias, cortejava as damas, espalhava rumores, libertava da crua realidade e arrastava para a guerra. Nenhuma classe social ou atividade lhe escapava; mas foi na igreja, onde ela primeiro demonstrou sua vitalidade, sendo o canto uma parte essencial da vida devota.
O desejo da igreja de unificar o seu poder produziu uma das grandes evoluções da música ocidental. Por volta do ano 1000, os hierarcas eclesiásticos preocupavam-se com o fato dos cantos monódicos sem acompanhamento, de uso multissecular nos ritos, variarem de região para região, correndo-se o risco de semear a independência e a discórdia por toda a Europa. A necessidade de padronizar a execução do canto foi definitivamente resolvida por Guido D’Arezzo no início do séc. XI. Com base num tetragrama horizontal, conseguiu o registro exato da altura das notas.
Guido D’Arezzo e seu tetragrama (a notação musical foi inventada)
Com aquele novo recurso fundamental, os compositores eclesiásticos começaram a experimentar música com mais de uma linha vocal. Passaram a acrescentar uma voz mais grave ao cantochão e descobriram depois que podiam conseguir mais variedade escrevendo no seu lugar uma voz aguda e deixando em baixo o canto. Pouco depois, aquela linha viva de descante assumiu o papel principal. Entusiasmados com sua criação, compositores como Pérotin de Notre-Dame, continuaram acrescentando vozes, uma terceira, depois uma quarta, cada uma delas com texto próprio, tão profano, que por vezes raiava a imprudência.
Antes da invenção da escrita musical (que por si só daria um post), a música na igreja era apenas cantada (instrumentos eram proibidos), e em apenas uma voz; isso não significa que apenas uma pessoa cantava, mas sim que todos os integrantes do coro se empenhavam para fazer as mesmas notas da melodia e, se possível o mesmo timbre. A isso dá-se o nome de UNÍSSONO, ou cantar em uníssono, ou seja, cantar todos o mesmo som. O que se chamou posteriormente de CANTO GREGORIANO.
Além dos músicos da igreja, certamente havia os músicos populares, os chamados Trovadores, mas isso fica para outro post.
Abaixo, faço uma comparação entre o canto gregoriano e uma composição litúrgica de Leonin, um dos mais brilhantes compositores da época. Certamente o ouvinte atento notará a grande diferença entre as peças.
Ouça: dos Cantos Benaventinos para o Sábado de Aleluia – Quem Quaeritis (compositor anônimo) 00:46.
Repare como, apesar de ter vários integrantes, o coro busca a máxima perfeição para soar como se fosse apenas uma pessoa cantando. Isso é o uníssono.
Agora ouça a revolucionária Cristus Ressurgens – Dicant Nunc, de Leonin
Análise
Esta antífona processional constitui a última etapa do serviço da Páscoa.
00:00 – A antífona se inicia com apenas os homens entoando o cantochão - “Cristus Ressurgens” – Tradução: Cristo ressussitado.
00:08 – Os meninos se juntam a eles, com as mesmas notas, só que uma oitava acima.
Tradução: “Ressurgiu dos mortos e agora não morre mais. A morte não mais terá domínio sobre Ele, pois Ele vive em Deus, aleluia, aleluia”.
Preste atenção agora. Aqui temos a revolução!
01:38 – Numa dramática mudança de textura, dois tenores cantam em animado contraponto acima do cantochão do barítono – eles expressam sua animosidade contra os judeus incrédulos. Tradução: “Digam, agora, ó judeus, como é possível que os soldados tenham perdido o Rei, e por que, no lugar do túmulo, eles não guardavam a rocha da justiça. Que lhes seja devolvido o sepultado ou que eles adorem o ressussitado, dizem conosoco:”
05:00 – De volta ao sóbrio cantochão, o coro agora entoa: Tradução: “Ressurgiu dos mortos e agora não morre mais. A morte não mais terá domínio…
Comentário
É estranho como, as vezes, as revoluções inibem as possibilidades, em vez de liberá-las. As inovações da Escola de Notre Dame (da qual faziam parte Leonin e Pérotin), no início e no final do séc. XIII, estabeleceram os padrões da música religiosa do futuro, particularmente quanto à organização rítmica, facilitando a criação de estruturas mais elaboradas, mas sacrificando muito da leveza da improvisação. O Magnus Lieber Organi foi um grande compêndio de composições litúrgicas de Leonin, mais tarde limitado por Pérotin, segundo os procedimentos mais estritos do início do séc. XIII.
Comparada com as melhores peças de Hildegard, esta música é relativamente mundana: ela mais dança que se eleva, mas amplia a polifonia com as vozes se entrelaçando.
As contribuições de Pérotin incluem os mais antigos exemplos conhecidos de escrita para 4 vozes. Os manuscritos representam as verdadeiras execuções das obras, acrescentados dos ornamentos dos executantes, em termos de altura e ritmo, mais que a versão definitiva dos compositores.
Fontes de pesquisa: Coleção Os Grandes Mestres da Música Clássica e revistas Classic CD.
té mais!
3 comentários:
Post muito bom! Imagino que deva ter levado um bom tempo pra juntar informações e material. Parabéns!!
A propósito, cheguei no post pelo LinkLog. O blog me parece muito bom, vou olhar outra hora. =D
Ótimo post.
Obrigado! Volte sempre q quiser!
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