Nas tradições musicais da China, Coreia, Japão e Tailândia, o silêncio entre as notas é tão importante quanto as próprias notas, tornando a música estranha aos ouvidos ocidentais. Ken Hunt convida os não-iniciados a se deliciarem com o que há por trás da Grande Muralha.
Embora a cultura do subcontinente indiano tenha colorido a psique ocidental durante um período de tempo suficiente para produzir uma receptividade com relação a seus dois sistemas de música clássica (conforme vimos nos capítulos 1 e 2 desta serie), em sua maior parte a música do Extremo Oriente ainda é, para os ouvidos ocidentais, uma fonte de perplexidade, bem como de prazer inesgotável para os que se mostram dispostos a investir tempo nas miríades de suas tradições musicais. Boa parte dela, sem dúvida, ocupa um campo especial e cultural de dimensões pouco familiares. Apesar dos grandes esforços de, digamos, Messiaen e sua obra orientalizada Sete Haïkaï - magistralmente registrada por Pierre Boulez pela gravadora Deutsche Grammophon (para ouvir, vá ao final do artigo) - a dinâmica temporal e a organização musical do Oriente podem exasperar o ocidental que condiciona o harmonizado ao mais humano dos ritmos, as batidas do coração, ou aos compassos ocidentais, em vez de aos longos ciclos.
A China, a Coreia, o Japão e a Tailândia possuem tradições que atribuem grande importância ao criterioso uso do silêncio entre as notas. Conceitualmente, o silêncio pode ser tão intrínseco à apreciação da peça quanto as notas que soam, como em ma (literalmente, "espaço"), a nota suspensa no tempo e o silêncio circundante, o quadro e a moldura, na música cortesã japonesa.
No aglomerado geral das culturas asiáticas, os ocidentais identificam a Ásia de uma forma que chocaria os europeus se alguém fizesse o mesmo, digamos, com a Alemanha, Grécia, Finlândia e França. O Extremo Oriente é o berço de uma arte notável e de tradições musicais ritualísticas ao lado das quais, historicamente falando, a música clássica ocidental ainda está na infância. Mesmo a tradição clássica japonesa, relativamente jovem - e que teve suas origens na China -, tem cerca de mil anos de idade.
A complexidade cultural da China é de tal magnitude que alguns exemplos ao acaso ficam quase sem sentido. Só o notável selo Wind, de Taiwan, contém exemplos da virtuosidade ao er'hu (rabeca de duas cordas) de Bing Chen, música cerimonial de percussão, música para o "sono eficiente" e cura, música taoísta de Formosa, composições de Dah-Wei Chen e Chi-Ming Leu, inspiradas pelas vidas de mestres budistas e as músicas das tribos aborígenes ami, bunum e yami.
Er'hu |
A música artística da China serviu de modelo para várias culturas asiáticas. Também conseguiu uma influência oposta. O gagaku, que significa "música elegante", por exemplo, foi uma manifestação do imperativo cultural de se definir uma identidade cultural nipônica. Foram necessários séculos para os japoneses se livrarem dos grilhões culturais chineses, mas o gagaku foi uma expressão de autodeterminação artística.
Gagaku |
Da mesma forma que os hábitos alimentares transformaram nossos cardápios e nosso gosto pela comida, a perspectiva de novos sabores musicais também despertou a curiosidade de muita gente. Um desejo de experimentar a diversidade musical do Extremo Oriente está começando a desabrochar. Mas a música artística asiática não é mais estereotipada que a cozinha asiática. Ela pode ser confunciana ruminativa, zen brilhante, agitada e marcial ou pode ter a força do caril selvagem tailandês. Para ficarmos apenas com músicos chineses, Jade Bridge, Jiang Jian Hua, Jie-Bing Chen, Tang Liangxing e Wu Man estão todos ganhando admiradores. Paralelamente, a obra do compositor Tan Dun, seja o seu Sobre o Taoísmo ou obras recentes para o Quarteto Kronos, também tem atraído novas audiências.
Jie-Bing Chen |
Por ser tão diversa, alguns ouvintes não vão se identificar com a música artística asiática, de modo que é importante lembrar que nestes dias de posturas politicamente corretas é perfeitamente aceitável não gostar de tudo. O mundo é grande demais para se absorver tudo no espaço de uma vida. É por isso que fazemos escolhas. Mas as portas estão-se abrindo e nunca houve oportunidade melhor para se maravilhar com o que está por trás da grande muralha.
NA PRÓXIMA SEMANA - INDICAÇÕES, RESENHAS, AUDIÇÃO COMENTADA - TRABALHOS DA CHINA, JAPÃO, VIETNÃ E FILIPINAS - NÃO PERCA!
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