terça-feira, 5 de abril de 2011

Duvido de tudo e de todos!


O título deste artigo pode fazer o leitor imaginar que eu seja um cara paranoico, mas não, na verdade trata-se de uma reflexão sobre a primeira meditação, ou meditação primeira, de René Descartes - filósofo moderno. Ele propõe essa dúvida hiperbólica como caminho necessário para se chegar às verdades.

René Descartes
"Há algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências".

Da mesma forma que Descartes, todos nós aprendemos coisas e formamos conceitos durante nossas vidas, mas muitas vezes assumimos tudo isso como verdades e mal nos damos conta de que podemos estar sendo enganados ou nos auto-iludindo "achando" verdades que não passam de enganos.

Entretanto, não é tarefa simples duvidar de nossas convicções e abolir todas as nossas "verdades", mesmo porque, muitas delas podem ser corretas.

Uma outra dificuldade é que possuímos atualmente uma enorme quantidade de conhecimentos, que se fôssemos questionar um a um, levaríamos mais uma vida para executar tal tarefa, sem contar que deveríamos ter memórias prodigiosas para lembrarmos de todos eles.

Descartes então propõe um criterioso método, onde o primeiro passo é o seguinte:

"Ora, não será necessário, para alcançar este designo, provar que todas elas (as coisas) são falsas, mas uma vez que a razão já me persuade de que não devo menos cuidadosamente impedir-me de dar crédito às coisas que não são inteiramente certas e indubitáveis, do que às que nos parecem manifestamente ser falsas, o menor motivo de dúvida que eu nelas encontrar bastará para me levar a rejeitar todas. E, para isso, (...) dedicar-me-ei inicialmente aos princípios sobre os quais todas as minhas antigas opiniões estavam apoiadas."

Em outras palavras, começo atacando as bases do pensamento e aquilo que apresentar a menor possibilidade de dúvida, descartarei - "(...) visto que a ruína dos alicerces carrega necessariamente consigo todo o resto do edifício". Aquilo que não possibilitar nem a mínima dúvida, mesmo após muito refletir; tomarei como verdade.

Estabelecidos os critérios, devo pensar então, sobre a forma como adquiri meus conhecimentos:

"Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos sentidos."

Certo, então cheguei a conclusão de que tudo o que sei veio dos ou pelos sentidos; em seguida pergunto: será que existe a possibilidade, mesmo que remota, dos meus próprios sentidos me enganarem? Claro que sim, note: se observo um objeto à distância, posso me enganar quanto ao seu real tamanho e proporção. Por exemplo, se observar a uma certa distância uma cadeira, não teria dúvida nenhuma, mas ao chegar perto, posso perceber tratar-se de uma foto de uma cadeira e não de uma cadeira.

Os sentidos enganam: aqui você vê um pato ou uma lebre?

Portanto, chego a conclusão que meus sentidos podem me enganar, mas nem sempre isso deve ocorrer, haveria alguma hipótese de meus sentidos me proporcionarem algum conhecimento verdadeiro e indubitável?

Para responder a essa questão, utilizarei um argumento similar ao usado por Descartes:

Constato que estou aqui, sentado em uma cadeira, em meu escritório, utilizando um computador para escrever e rodeado de papeis e outros objetos. Como poderia eu negar estes fatos? Além do entorno, "como poderia eu negar que estas mãos e este corpo sejam meus?" Afinal, os vejo, os sinto!

Repare que posso negar sim estas verdades; Descartes sugere duas possibilidades:

  1. Posso ser louco e acreditar em ilusões
    Descartes desconsidera essa objeção pois não acha coerente raciocinar através do irracional;
  2. Posso estar sonhando
    Esse argumento é forte. Como disse Morpheus no filme Matrix: "se você estiver sonhando e nunca mais acordar, como saberia diferenciar o que é sonho e o que é realidade?" Quando sonhamos, não temos a nítida sensação das coisas, e ao acordar, algumas vezes não ficamos até perplexos por descobrirmos que tudo aquilo que vivenciamos, não passava de um sonho? Não seria possível, mesmo que remotamente, que ao invés de estar aqui em meu escritório escrevendo este artigo, eu esteja na verdade nu em minha cama sonhando que esteja fazendo isso?
Agora a coisa complicou, pois meus sentidos podem me enganar em tudo! Então, obedecendo os critérios do método proposto nessa meditação, tudo o que vier deles, devo descartar.


E então, sobrou algo em que acreditar?

Espere um pouco, posso estar sonhando com esses eventos, mas isso não significa que eles não existam, o computador, o papel, minhas mãos, meus olhos, minha cabeça... Por mais que esteja sonhando, essas coisas todas tem de ser baseadas em alguma realidade, pois tudo que venha de minha imaginação encontra alguma correspondência no mundo real. Não posso conceber a imagem de uma mulher sem nunca ter visto alguma na vida. Por mais criativo que seja, todas as formas que puder imaginar, por mais obscuras ou inexplicáveis que sejam, têm de conter correspondências, mesmo que sejam apenas as cores ou as formas contidas em sua concepção. E a matemática? Esteja eu sonhando ou acordado, 4 + 5 sempre será 9!

Por mais absurda que seja, a imaginação sempre é correspondente ao mundo real

Pois é caro leitor, Descartes mostrará que até essas verdades aparentemente irrefutáveis, podem ser questionadas, ou seja, que coisas como 4 + 5 podem não ser 9!



Mas isso fica para o próximo artigo, até lá!


Fontes: DESCARTES, René - Meditações Metafísicas, Meditação Primeira - Coleção "Pensadores", editora Abril
Matrix (1999) - Wachowski brothers

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