Por Flávia Nogueira
Musicoterapeuta, musicista
É difícil conceber um mundo sem música. Ela está intimamente enraizada em nossa experiência íntima, carregando memórias e emoções.
Ao nascer, já se sabe que bebês são capazes de distinguir entre escalas musicais, preferem harmonias consonantes em detrimento às dissonâncias e são aptos a reconhecer canções com facilidade.
Apesar da pouco repertório de informações, o bebê já demonstra um preparo básico para poder decifrar o mundo musical. Portanto, todos nascem com uma habilidade básica para música, não sendo necessário muito mais do que ouvir canções entoadas pela mãe, no rádio, na televisão para nos tornarmos musicais. Vemos isso no nosso país, dizem que o povo brasileiro é musical por natureza, e isso lá tem seu fundo de verdade...
Pensemos no caso desse bebê ser exposto a experiências musicais mais profundas, como audição de músicas com estruturas mais complexas, dificilmente tocadas nas rádios, (salvo poucas exceções) tais como peças eruditas, jazz, bossa nova, ou qualquer construção que ofereça ao cérebro desafios de processamento. A quase ausência de repertório “difícil” nas rádios se deve especialmente pelo fato de que a exposição de estruturas complexas não é aceito com facilidade por qualquer ouvido. A dificuldade inicial do cérebro no processamento dessas músicas gera irritação na maioria das pessoas. Sabe-se que é um desafio muito maior processar uma construção de inúmeras harmonias, ritmos que se alteram constantemente, grande variedade de instrumentos tocando em uma mesma peça, do que processar melodias simples, harmonias de 3 acordes, no máximo 4 instrumentos diferentes e ritmo que praticamente não se altera. Não julgo aqui a qualidade estética da música, não quero de forma alguma afirmar que uma música é melhor se for mais “difícil”, e que músicas simples são ruins. Apenas discorro sobre os efeitos que esta diferença de estruturas musicais pode causar no desempenho cerebral.
O Efeito Mozart
Recentemente, falou-se muito do “Efeito Mozart”. Afirmava-se que após a audição de peças desse compositor, o desempenho cognitivo se tornava melhor, ou seja, as pessoas ficavam “mais inteligentes” após ouvir trechos de Mozart. Considerado prodígio, o compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) começou a compor aos cinco anos de idade, e até hoje suas obras são reconhecidas como geniais. Na época, ganhou reconhecimento da crítica especializada, embora muitos considerassem suas obras excessivamente complexas.
A idéia de que a audição de peças clássicas por bebês o tornavam mais inteligentes, levou as gravadoras a produzirem uma enxurrada de Cds com músicas do repertório clássico especialmente para bebês.
Porém, até hoje, nenhuma pesquisa comprovou que a eficácia do Efeito Mozart seja duradoura. Muitas músicas podem sim liberar neurotransmissores capazes de fazer o cérebro funcionar com maior rapidez. Pesquisas comprovam que ouvir músicas que nos agradam, sejam elas quais forem, despertam efeitos semelhantes aos encontrados no Efeito Mozart. Assim foram encontrados os Efeitos Nirvana, Efeito Bach, Efeito Iron Maiden, e tantos mais.
Atualmente, estudos sugerem que os efeitos que a audição desperta em uma pessoa provém de pelo menos duas fontes:
- A audição de músicas complexas: responsáveis pelo acionamento de um grande número de estruturas neurais, já que o desafio apresentado requer um grande número de áreas cerebrais a fim de realizar o processamento. Essa afirmação pode explicar o efeito ocorrido no cérebro ao ouvir as peças de Mozart, consideradas difíceis e complexas;
- A audição de qualquer peça que seja significante: a experiência musical significativa produz marcas profundas no córtex cerebral. Portanto, independente da estrutura e grau de complexidade, as músicas carregam experiências emocionais marcantes, sejam elas positivas ou não, de qualquer maneira, uma música marcante é capaz de acionar grandes áreas cerebrais, atuando como um dispositivo e gerando efeitos diversos.
Segundo pesquisas, a audição é capaz de integrar grandes áreas cerebrais, entre elas, aquelas responsáveis pela cognição e emoção. Portanto, a música integra simultaneamente tanto processamentos emocionais como racionais, por outro lado, os efeitos no cérebro causados pela audição passiva são geralmente passageiros, a audição musical, mesmo prolongada, não é capaz de alterar a estrutura neural.
Podemos considerar que as pesquisas sobre os efeitos da música sobre o cérebro humano ainda estão no início, embora muitas descobertas importantes já tenham sido realizadas. O que se pode comprovar até agora, é que a audição de peças complexas, aliadas às inúmeras significações acionadas pela escuta, representa um enorme desafio para o cérebro, e que, apesar de não tornar seres mais “inteligentes”, melhora a capacidade de concentração, atenção, percepção e principalmente, colabora muito na construção de um ser mais sensível e aberto para desafios e novidades, muito além das imposições “enlatadas” oferecidas pela mídia.
Não perca os próximos capítulos da série "Música na Cabeça"!
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4 comentários:
Muito bom. Aprendendo muito com tudo isso. Aguardando o próximo artigo.
Flávia
Bom dia! Meu nome é Isac. Moro em São José dos Campos.
Tenho 34 anos de idade!
Parabéns pela iniciativa, inteligência e sensibilidade...Gostei muito do seu texto!!!
Com relação a música o assunto é extenso: a Arte Musical é infinita, riquissima. Cada um dos estilos/generos é riquissimo!!! o Jazz, o Blues, a MPB, a Bossa, a Música Erudita...
Esses são os estilos que me interessam e que eu "estudo", pesquiso desde a infância!
Por gosto próprio! Não foi por influencia de ninguém.
Na Música Erudita, me identifico muuuito também, entre outros com a música do SIBELIUS, BACH... Qual a sua opinião sobre eles, principalmente o primeiro?
Quando escuto SIBELIUS, algo acontece com a minha mente ou "alma"... Vou tentar explicar: minha mente tenta 'puxar' algo, alguma lembrança...que não sei o que é. Na minha infância ou adolescência não me recordo de algum fato, ou lembrança ligada a grande musica do SIBELIUS... Mas quando ouço, algo acontece dentro de mim....que não sei explicar de forma exata...
Parece que minha mente tenta 'puxar' fleches, relances, emoções... de outras experiências... Outras vidas? Não sabemos se outras vidas existem...
Qual a sua opinião sobre isso?
O que você acha da música do SIBELIUS?
A MPB, o Jazz, a Bossa Nova também são riquissimas artisticamente!!!
Artista como:...Noel Rosa, Pixinguinha, Dinah Washington, Jane Duboc, Zizi Possi, Villa Lobos, Edu Lobo, Tom Jobim,Miles Davis,Coltrane, Joyce, Monica Salmaso, Fátima Guedes, Teresa Salgueiro, Milton Nascimento,John Pizzarelli,Dianne Reeves,Zé Renato,Claudia Telles, Elis Regina,Elizete Cardoso,Delicatessen,Orquestra Jazz Sinfônica,Nara Leão,Patricia Barber, Stacey Kent, Jackie Ryan,Lisa Ono, Madeleine Peroux, Delicatessen (Grupo Brasileiro da cantora Ana Kruger), Ella Fitzgerald, Billie Holyday, Sarah Vaughan,Olivia Hime, Selma Reis,Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Sebastião Tapajós, Romero, Altamiro Carrilho, Gerry Mulligan, Célia, Lucilla Novaes, Fátima Guedes, Nara Leão, Vanessa da Mata, Célia Vaz e o Grupo Nós 4, Lucinha Lins,Caetano Veloso, Ivan Lins, entre muitos outros verdadeiros cantores, cantoras, músicos... me fazem lembrar uma frase de um autor desconhecido:"Na história Contemporanea, Arte, é uma palavra raramente aplicada a expressão Musical. Porém, nas mãos dos seus poucos grandes talentos, expoentes e gênios, ela (a Música) é justamente isso: Uma das maiores expressões de Arte que existe. Quando os Deuses da Arte se manifestam, a Música, alimenta a alma, nos afaga, inspira, mostra-nos que a vida pode ser bela..."
Interessante essa frase, né?!
É verdade! A Boa Música e a Arte em Geral (literatura, artes plástica, cinema, arquitetura, dramaturgia...) pode inspirar e revigorar o espirito nos momentos de tristeza, incerteza...e alegrias!
Outro pensamento interessante:
"A música em qualquer latitude é linguagem universal!
É uma dádiva que Deus concede ao espírito para sua ventura eterna.
É poesia cósmica expressa em sons e/ou palavras.
É a composição sonora que vibra pelo infinito sobre a batuta do regente divino.
Traz em sua intimidade a palpitação da própria natureza, plena de força criadora, contendo em si a beleza, a poesia, a inspiração e o êxtase."
Ramatis
grato
aguardo resposta
Isac S. Santos
e-mail: isac.santos_jazz@terra.com.br
Isac
Obrigada pelas palavras, realmente quando o assunto é música, há muito o que falar...
Estudo música desde os 5 anos de idade e posso dizer que ela sempre me acompanhou, sem dúvida, ótima companheira.
Quanto a música de Sibelius tenho pouca familiaridade com esse compositor, conheço algumas peças, mas pertence a uma época da música erudita que escuto com menos frequencia. Minha grande preferência é mesmo a música barroca, sendo Bach minha grande paixão.
É difícil dizer porque uma música nos afeta, podemos estar em busca de lembranças, nas quais a música ouvida faça parte integrante, ou não, talvez a música te afete tão profundamente no presente, que buscamos associá-la com momentos muitos bons que um dia vivenciamos, é como se música acionasse memórias armazenadas, e estas, muitas vezes, já nem estão acessíveis no consciente, portanto, muitas vezes experimentamos apenas a sensação, sem conseguir distinguir conscientemente o fato em si. Então, é possível que Sibelius estivesse presente num passado remoto, mas não necessariamente. Muitas vezes os sentimentos que experienciamos não podem ser descritos com palavras, isso, até você encontrar "Aquela Música", esta sim pode alcançar aonde palavras não alcançam.
Abraço, continue acompanhando a série Música na Cabeça.
Sugestão: veja também a Série As 50 obras revolucionárias
Até mais, Flávia
Flávia
Se você escutar, conhecer a Obra completa do SIBELIUS, tenho certeza que não vai se arrepender. Pelo contrário, a Obra dele é riquissima... SIBELIUS foi um gênio!!!
As peças são impressionantes!! Carregadas...Maravilhosas...Surpreendentes!!!
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