Por Flávia Nogueira
Musicoterapeuta, musicista
e professora de música
Autora do blog Música & Saúde
Autora do blog Música & Saúde
A música exerce um grande poder sobre o nosso emocional. Ela está presente em vários momentos da vida e se torna particularmente marcante em momentos especiais, como o primeiro encontro; o tema da formatura; a música do casamento e em tantos outros momentos. Cria-se um vínculo indissociável entre acontecimento e a música, e cada vez que a ouvimos novamente, as mesmas emoções daquele determinado momento ressurgem imediatamente. A música é, portanto, um poderoso condutor de emoções.
Por possuir uma capacidade ímpar de tornar as emoções potencialmente mais marcantes, a música tem sido utilizada como meio de manipulação muito eficaz.
Nesse 3º artigo da série “Música na cabeça”, trataremos da manipulação através da música, seja incitando o consumo de produtos ou vendendo uma imagem e até mesmo uma idéia e crença.
Estudos sobre o comportamento humano em relação ao som possibilitaram a criação de produtos culturais ou de mercado que gerassem no ser humano os efeitos desejados por quem os produziu. O cinema, desde seu início, aproveitou a música como grande reforço emocional em suas produções. E a publicidade fez o mesmo.
A relação entre música, emoção e publicidade é muito estreita e sempre esteve presente na sociedade desde o momento em que houve a necessidade de se divulgar algo para um grande número de pessoas ao mesmo tempo.
A publicidade precisa seduzir, precisa encantar, criar um envolvimento indissolúvel entre a marca e o consumidor. E para isso ela lança mão, entre outros recursos, do uso da emoção. É através da emoção que a publicidade procura gerar lembrança ao consumidor, uma nova experiência vivida que ficou na memória. Da mesma forma que as campanhas publicitárias para venda de produtos, o cenário político também se utiliza com freqüência da música, produzindo jingles “clássicos”.
Ao se criar um jingle, existem preocupações mercadológicas sobre como a peça publicitária realizará sua tarefa de sedução e convencimento ao expectador, além de gerar lembrança da marca que a peça publicitária anuncia.
Aliando a música com o apelo visual, uma campanha consegue convencer o púbico que o produto anunciado possui qualidades sem precisar usar de grandes argumentos. Se o jingle produziu uma experiência agradável, sempre que o sujeito ouvi-lo, seu cérebro irá associar a experiência agradável com o produto, logo, o produto também agradará.
Mas, qual a estrutura ideal de um jingle? Como já vimos em artigos anteriores (ver Música simples X música complexa), o cérebro apresenta maior dificuldade em processar estruturas complexas, levando a pessoa a rejeitar, ou ter que ouvir muitas vezes para ocorrer a assimilação. A intenção de uma peça musical para o consumo, como são os jingles, deve ser a assimilação rápida. O sujeito deve ouvir e logo absorver, de maneira que fique rapidamente marcado em sua memória. Portanto, estruturas simples, não muito longas, são as preferidas. Dependendo do apelo emocional esperado, a escolha da harmonia e andamento também é fundamental.
Acordes maiores sugerem “abertura”, expansão, enquanto os menores remetem, em geral, ao recolhimento, melancolia. Porém, a escolha do andamento é fundamental. Estudos comprovam que, mais do que os acordes, o andamento parece apresentar associações universais.
Andamentos lentos remetem mais à sentimentos de tristeza, enquanto os rápidos, à alegria. Ao unir adequadamente harmonias, andamento e imagens, temos o cenário para um jingle se tornar marcante, e a possibilidade dele “grudar” na nossa cabeça são muito grandes.
O uso da música para incitar e manipular não é “privilégio” da modernidade. Na antiga Grécia, a música era usada para encorajar os soldados, possuindo, inclusive, modos musicais próprios para isso.
A capacidade que a música oferece de conduzir e alterar estados emocionais, possibilitava aos lideres manipular estados de ânimo dos soldados, transformando situações desanimadoras em momentos gloriosos. No esporte o uso da música na alteração era e ainda é bastante utilizada. A música incita, estimula e sugestiona.
Outro meio em que música é bastante utilizada é em ritos religiosos e sagrados. Quando se trata de crenças religiosas, devemos sempre levar em conta a fé de cada pessoa. Falar em manipulação pode soar para muitas pessoas ofensivo às suas crenças, mas, certamente, não podemos negar a grande influência da música nos cultos sagrados, cristãos ou não.
Em muitas cerimônias africanas, é o ritmo dos tambores que convoca feitiços e espíritos. Desse momento em diante, instala-se uma espécie de ambiente eufórico conduzindo a pessoa ao transe. Neste estado alterado, conduzido pela música, a pessoa considera-se tomada pelo espírito invocado.
Nos cultos cristãos, dificilmente vemos ausência de música, normalmente precedida de momentos “chave”, como a entrada do pregador, do sermão, orações e pedidos de oferta. A música torna-se um vetor que sensibiliza o ouvinte, tornando-o mais suscetível aos apelos emocionais.
Novamente a escolha do ritmo, andamento e harmonias conduzem a estados emocionais alterados, de acordo com a intenção pretendida.
Por outro lado, penso que nem sempre o uso premeditado da música deve ser visto negativamente. A manipulação pode estar vinculada a idéia de “influência”, e tal pode ser positiva.
O uso para estimular, por exemplo, como os usados nos esportes e reabilitação física, é muito bem vindo. A potencia estimulante e prazerosa que a música provoca, age como um condutor saudável. Muitas pesquisas têm demonstrado que o uso da música em muitos casos diminui o uso de substâncias químicas, como medicamentos e estimulantes, já que a música provoca efeitos semelhantes.
Portanto, embora a imagem remetida pelo termo manipulação seja em geral negativa, é possível que em muitos casos seja utilizada de maneira benéfica. Ninguém quer ser manipulado, pois isso gera a sensação de não autonomia, não liberdade. Porém, em geral, todos sofreram influências e manipulações por toda a vida. Seja dos pais, dos cônjuges, dos filhos, do patrão, da mídia. Somos modelados pela sociedade a fim de nos sentimos mais satisfeitos e principalmente, aceitos.
A vida em sociedade de certa maneira nos obriga a aceitar as manipulações impostas, porém, creio que uma pessoa dotada de discernimento e consciência, será mais dificilmente manipulada indiscriminadamente. Penso que a aceitação imediata e inconsciente daquilo que lhe é imposto molda uma sociedade frágil, sem poder crítico, movida pelos interesses dos formadores de opinião.
A música, por todas as suas características e variáveis, pode ser sim um instrumento moldador e formador de opiniões, devido o seu poder de marcar e gravar na memória de quem a escuta de maneira rápida e por um longo período de tempo.
Por outro lado, toda essa potência pode sim ser usada e desfrutada por ouvintes conscientes que conseguem absorver dela influências boas e prazerosas.
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