Drogas, ciúmes e assassinato – ingredientes perfeitos para uma sinfonia de horror gótico, especialmente quando escrita pelo jovem gênio de Hector Berlioz.
Por que foi criada?
Um artista tímido demais para se aproximar da garota que ama apela para o ópio e engendra fantasias criminosas, que transporta para a obra.
Por que ela é popular?
A obra apresenta uma enorme inventividade orquestral; em termos emocionais, apresenta a satisfação de todos os desejos pessoais.
“Tantas ideias musicais estão fervilhando em mim!… Agora que me livrei dos grilhões da ortodoxia, vejo imensas paisagens se estendendo diante de mim… Há muitas coisas novas a serem feitas, coisas que sinto em cada fibra do meu ser, e vou conseguir atingir meus objetivos, pode crer, ao longo de minha vida”. Assim escreveu Berlioz (foto) em uma carta a seu amigo Edmund Rocher antes de iniciar o trabalho em sua Symphonie Fantastique. A montanha russa em ebulição que surgiu foi tão devastadora em seu impacto que Mendelssohn reclamou que “a orquestração de Berlioz é tão suja que tive de lavar as mãos depois de virar as páginas da partitura!”. Mas quais foram – sem contar seu “grande gênio” (como Ravel afirmou mais tarde) – as forças inspiradoras que inicialmente deram vida a esse tornado sinfônico?
A mais importante foi a enorme obsessão de Berlioz pela jovem atriz irlandeza Harriet Smithson (foto). Ele a viu pela primeira vez como Ofélia em uma produção de Hamlet em 1827, uma interpretação que se combinou com o texto inigualável de Shakespeare para despertar em Berlioz uma paixão incontrolável pela moça. Incapaz de criar coragem até para falar com ela, durante os dois anos seguintes ele seguiu seus passos, ardendo de paixão e numa expectativa de bomba-relógio.
A outra fonte inspiradora foi puramente musical: em 1828, Berlioz ouviu pela primeira a Eroica e a Quinta (Destino) sinfonias de Beethoven, que lhe “abriram um mundo musical totalmente novo”. Gradativamente, ele começou a considerar a possibilidade de domar e enquadrar suas ideias impulsivas e ásperas em uma moldura beethoveniana. Nos primeiros meses de 1830, a paixão avassaladora de Berlioz por Harriet fez com que ele literalmente delirasse. Em alguns momentos, sua imaginação levava-o a acreditar que seus sentimentos eram, de certa forma correspondidos (ele, por fim, aproximou-se dela e casou-se com ela); em outros fazia-o achar que ela o ridicularizaria. Então, para preservar a sanidade, ele por fim entregou-se à composição da Symphonie Fantastique com tamanha ferocidade que quase podemos imaginar a tinta fervendo ao longo das páginas, à medida que ele avançava. Dividido em cinco movimentos, todo o poderoso edifício é unificado por uma idée fixe, um tema obsessivo e incomumente longo, que pretendia representar a própria Harriet. Na verdade, ele descreveu a obra como um “Episódio da vida de um artista”, indo do contido apelo sexual e da palpitação da primeira aparição da idée fixe à sua grotesca transformação, por volta do final, em macabra gesticulação sublinhada pela entoação do cantochão do Dies Irae (Dia de Ira).
Em outros momentos, a melancolia sonhadora do compositor é regular e brutalmente interrompida pela explosão de ódio e ciúmes incontroláveis. No segundo movimento podemos encontrá-lo em um baile de carnaval; no terceiro, contemplando uma paisagem pastoral, mas onde quer que seja sua imaginação provoca visões de Harriet passando como um fantasma pelas várias cenas, constantemente interrompendo a paz de espírito que ele busca com tanto desespero. No quarto movimento – a famosa “Marcha súplice para o cadafalso” – ele não consegue mais suportar a situação e toma uma dose de ópio que lhe provoca horrores ainda maiores, sob a forma de sua própria execução pelo assassinato da amada (com sua cabeça decepada caindo dentro do cesto). Agora nos limites da insanidade, o final apresenta um Sabá das bruxas, em meio a uma lúgubre multidão de espíritos, feiticeiras e monstros que, juntamente com Harriet, produzem em Berlioz o mais eletrizante arrepio de toda obra.
Fonte: Revista Classic CD nº 18
AUDIÇÃO COMENTADA
BERLIOZ Symphonie fantastique: Final - “Sonho de uma noite de Sabá” (trecho)
00:00 – Nosso extrato começa com o Dies Irae nos metais mais graves, com sinos tocando ao fundo.
00:20 – Os metais mais agudos tocam a melodia, agora harmonizada, que é então entoada pelas madeiras e pelas cordas em pizzicatto. Novamente os metais mais agudos e, em seguida, as madeiras, tocam a melodia. Com a segunda volta dos metais graves (00:56), o baixo produz um efeito mais cambaleante – uma procissão não mais solene, mas grotesca.
01:46 – Os contrabaixos lançam uma fuga, repleta de interjeições dos metais (01:52). Por fim, as madeiras se fazem ouvir (02:06) antes de serem interrompidas por um breve episódio (02:14) e uma retomada da fuga propriamente dita (02:32). A fuga se interrompe enquanto as fanfarras dos metais são respondidas por figuras em espirais descendentes nas cordas e nas madeiras (02:49) antes de mergulharem nos recessos mais escuros da orquestras (03:02) em preparação para a reaparição do Dies Irae (03:58), o que leva a uma imediata retomada da fuga sinistra.
Gradativamente a música se torna cada vez mais selvagem, até os metais soarem o Dies Irae (04:56), acompanhados pela frenética atividade do resto da orquestra. Uma explosão de col legno (05:22 – as cordas batidas com o verso dos arcos) põe em movimento a seção final que, depois de uma última referência ao Dies Irae (05:54), vai-se distanciando com uma lúgubre peroração orquestral.
‘té mais!
0 comentários:
Postar um comentário
Seu comentário é muito importante, todos que são publicados são respondidos, mas antes de escrever, leia as normas do blog:
Você pode: Opinar, elogiar, criticar, sugerir, debater e discordar.
Mas NÃO PODE ofender, insultar, difamar, divulgar spam, fazer racismo, ou qualquer tipo de conteúdo ilegal, além de usar palavras de baixo calão de maneira gratuita.
Obrigado por sua participação, fico na expectativa de seu retorno!