quinta-feira, 31 de março de 2011

O Universo Musical de Bill Wyman


***Bill Wyman, para quem não sabe, foi por 30 anos (1963 - 1993) o baixista dos Rolling Stones.

Fuçando as matérias da minha coleção de revistas Classic CD, encontrei esta interessante matéria escrita em 1998 pelo jornalista Jonathan Webster, baseada em uma entrevista concedida a ele por esta lenda do rock. Segue abaixo:

Ouvindo sua coleção de 5000 discos de vinil e 500 CDs, Bill Wyman, o baixista dos Rolling Stones, viu-se cada vez mais fisgado pela música clássica. Ele nos conta por que.

"Eu nunca pensei que um membro maduro dos Rolling Stones como eu chegaria a admitir isto, mas recentemente desenvolvi um gosto pela música clássica. Talvez isso tenha algo a ver com minhas duas adoráveis filhas dançando pela casa ao som do Quebra-Nozes de Tchaikovski num domingo de manhã. Com certeza, eu pus os olhos nelas para me certificar de que elas não colocariam as mãozinhas curiosas em minha discoteca.

Segundo minha contagem, tenho 5000 discos de vinil e 500 CDs - cujo núcleo está guardado no sótão de Gedding Hall, minha casa de campo medieval em Suffolk. Como era de se esperar, a grande maioria das prateleiras está cheia de gravações raras de blues, jazz, soul e swing. Contudo, em meio a elas há alguma coisa de mais sério, como obras de Bach, Mozart  e Mahler. Tenho tudo de Bach, das cantatas regidas por Harnoncourt pela Telefunken (Teldec Das Alte Werk) às interpretações jazzísticas daquele inconfundível mestre francês: Jacques Loussier. Quem não conhece este repertório - ou se escandalizaria coma ideia de Bach recebendo um tratamento jazzístico - deveria implorar, emprestar ou roubar uma cópia de The Best of Bach de Loussier.

Avançando pela história da música, onde ficaria eu sem uma boa dose da música de Mozart, para mim um cura-tudo, especialmente quando se trata de ressaca? E acho que a interpretação de Malcolm Bilson, ao pianoforte, das sonatas completas de Mozart (pela Hungaroton) é uma panaceia maravilhosa; tanto que gravei os três volumes em cassete para ouvir no carro.

O campo inglês pode provocar efeitos curiosos nas pessoas. Eu notei que desde que me instalei no campo também desenvolvi um gosto pela produção de compositores como Vaughan Williams e Elgar. Essa antiga nostalgia inglesa é, com certeza, algo duro de a gente se livrar, e obras como a Fantasia sobre um tema de Thomas Tallis de Vaughan Williams (existe uma fantástica versão, se não me falha a memória, com Sir Adrian Boult) chegam a provocar, mesmo num taciturno emotivo como eu, um tremendo nó na garganta.

Só para mostrar que não tenho sangue azul, diante de uma noite típica vario o cardápio musical ouvindo uma sinfonia de Mahler regida por Leonard Berstein e, em seguida, deixo a emoção correr solta ouvindo uma gravação dos anos 30 de Bing Crosby dando seu recado acompanhado pelos Rhythm Boys, seguida por Dr. John martelando algumas boas especialidades do soul-jazz de New Orleans.

Por falar em dar o recado, quero deixar registrada minha mais recente aquisição! Trata-se de uma trilogia de 3 CDscom uma viagem cronológica pela história dos blues, jazz, swing e soul (que vai dos anos 20 aos anos 70) e o primeiro deles - chamado Strutting' Our Stuff - acabou de ser lançado pela RCA, com um time de músicos capaz de deixar qualquer um doido."

CDs recomendados por Bill Wyman e leituras recomendadas pelo blog


J.S. BACH - Cantatas - vários solistas; Vienna Concertus Wien/Nikolaus Harnoncourt - Teldec

Leituras recomendadas sobre Bach



MOZART - Sonatas para piano - Malcolm Bilson - Hungaroton

Leituras recomendadas sobre Mozart

MAHLER - Sinfonia Nº2 em Dó menor, "Ressurreição" - Hendricks (soprano); Ludwig (mezzo-soprano); Westminster Choir; New York Philharmonic Orchestra/Leonard Bernstein - Deutsche Gramophon

Leituras recomendadas sobre Mahler

VAUGHAN WILLIAMS - Fantasia sobre um tema de Thomas Tallis; Sinfonia Nº2 - London Philharmonic/Sir Adrian Boult - EMI

TCHAIKOVSKY - O Quebra-Nozes - London Symphony Orchestra/Sir Charles Mackerras - Telarc


domingo, 27 de março de 2011

Serie "Música do Outro Mundo" - Capítulo 3: África


Embora a maioria das sociedades africanas mantenham associações espirituais e culturais com a música dos tambores, o som da África contemporânea não é um dilúvio de batidas frenéticas. Como explica Ngraeme Ewens, é mais provável que ouçamos vocais espanhóis na música do Congo, letras e instrumentação árabes em Zanzibar, calipsos na África Ocidental e jazz ao piano na África do Sul...

A África contribui para o núcleo do que hoje é chamado de "World Music". Mas a música africana está longe de ser homogênea. O continente apresenta imensas diferenças geográficas, culturais e religiosas; mais de 2000 línguas são faladas, e a música as vezes tem funções específicas. Embora a música tradicional em geral seja confinada por fronteiras étnicas ou linguísticas, a música de dança social tem sido a única que permeia todas as culturas, constituindo-se em elemento universal do espírito africano. Ela não depende da transcrição e tampouco se presta a ela. Cada um de seus tipos constitui um sistema próprio, improvisado com parâmetros estritamente definidos.

Entretanto, existe uma crescente tendência a se criar uma música clássica ou artística em todo o continente. O intercâmbio cultural entre a África e a música religiosa da Europa do século XIV, os compositores ocidentais do século XIX e os músicos de jazz do século XX forneceu ligações históricas para compositores contemporâneos como o nigeriano Akin Euba e as colaborações como aquela entre I Fagiolini e o Coral SDSA. Compositores ocidentais de Holst a Steve Reich têm feito empréstimos junto ao banco cultural africano, enquanto grupos como o Soweto String Quartet têm agido de maneira recíproca, ao transporem a música tradicional para uma instrução ocidental.

Akin Euba
Soweto String Quartet
Posts relacionados:

A música africana sempre foi uma arte coletiva, envolvendo vários níveis de participação, das "convenções" dançantes do povo akan de Gana à vocalização polifônica dos pigmeus que tem deleitado os apaixonados por "música ambiental". O que mais se aproxima de um virtuose solista é o griot (historiador oral e cantor encomiástico), cuja interpretação altamente estilizada do mito e da história é as vezes acompanhada por espetaculares execuções instrumentais. Os mais acessíveis (em disco) são os de Sahel, uma região da África Ocidental, onde instrumentos como o kora, o ngoni e o balafon combinam melodia e ritmo em um formato de transição que também incorpora instrumentos e técnicas eletrônicos. Graças ao interesse dos europeus e um fluxo contínuo entre os países africanos, gravações de qualidade, provenientes do Senegal, Mali e Guiné, estão hoje disponíveis.

Kora
Ngoni
Balafon

Existem tantos estilos na África que o ouvinte casual não seria capaz de reconhecer a proveniência de algumas das músicas mais populares do continente. A explicação para isto pode estar na topologia e na vegetação que definem os instrumentos usados na música tradicional ou folclórica, na língua que estabelece o caráter e no legado dos antigos colonizadores. Estas influências produziram anomalias como os vocais espanhóis na música de dança do Congo, as letras e a instrumentação árabes em Zanzibar, os calipsos da África Ocidental e a música de piano jazzística da África do Sul. A influência da hinódia cristã também é evidente em muitos países.

Embora o ritmo constitua um acompanhamento essencial de muitos aspectos da vida rural, e embora a maioria das sociedades africanas mantenham associações espirituais/culturais com a música dos tambores, o som da África contemporânea não é um dilúvio de batidas no couro. Na verdade, o instrumento que conseguiu se impor em todo o continente a partir da década de 1950 foi a guitarra elétrica. Ela foi levada por músicos do Senegal à África do Sul, mas o estilo centro-africano prevaleceu. Boa parte da música de dança contemporânea deve muito à rumba cubana, que era ouvida em todo o continente em uma serie de discos de 78 rpm durante os anos 50. Junto com o calipso caribenho, a rumba deu sua contribuição ao estilo de vida da África Ocidental, embora a música "afro-cubana" do Congo tenha sido batizada de rumba "congolesa" (mais tarde, zairense).

Depois de 60 anos, o predomínio congoles no espectro pan-africano está em decadência e toda a cena está se redefinindo. Com a liberdade de selecionar influências, em vez de aceitá-las de maneira imposta, muitos africanos estão gerando novas formas de música para audiências globais, não confinadas pelas restrições locais e nacionais.

Em destaque: O Grande Congo - hoje Zaire, Congo, Gabão, Guiné Equatorial, Camarões e África Central

PRÓXIMO CAPÍTULO: Indicações de discos, resenhas   - NÃO PERCA!


DIVIRTA-SE

Zebra Crossing - Soweto String Quartet

sábado, 26 de março de 2011

Perfeições e o Infinito


Uma pequena reflexão filosófica sobre os primeiros 2 parágrafos do Discurso da Metafísica de G. W. Leibniz.


Segundo o filósofo G. W. Leibniz (1646 - 1716), existem vários níveis de perfeições, e não apenas uma perfeição. Entretanto só quem personifica a perfeição máxima, ou seja, em seu mais alto grau, é Deus - o ser absoluto e  perfeito.

Até aí, nada muito novo, só que o que Leibniz trás para a reflexão são as consequências disso.

Se Deus é a perfeição máxima e absoluta, por consequência, Ele é a reunião de todas as perfeições existentes. Só que para essas perfeições serem Deus, elas estarão em seu grau máximo.

Antes de esclarecer esse conceito, é importante entender o que é perfeição (segundo Leibniz) - formas ou naturezas impossíveis de atingir o maior grau (o final) certamente não são, como por exemplo, o número e a forma (entidades), afinal quais seriam seus elementos máximos? Números e formas, por mais elevados que se possa conceber, sempre será possível postular um ainda maior! - Isso gera uma contradição, e esse caráter os torna imperfeitos;

Qual é o maior número??

Mas, e a perfeição??
"Já a máxima ciência e onipotência não encerram qualquer impossibilidade. Por conseguinte, o poder e a ciência são perfeições, e enquanto pertencem a Deus não têm limites".

Apesar de parecer também contraditórios os exemplos de perfeição, uma reflexão mais profunda deixará clara a diferença. Veja, tanto o conhecimento quanto o poder têm um grau máximo a partir do ponto em que se atinge suas totalidades. Portanto, se se sabe tudo e se pode tudo, seu conhecimento e poder são infinitos e nada mais há a saber e a fazer, foi atingido o grau máximo = Deus.

Para deixar mais claro: a ciência (conhecimento) e o poder não são perfeitos apenas quando em seu grau máximo, mas por existir um grau máximo, que só é atingido por Deus. Nós humanos temos também a perfeição da ciência e do poder, só que em graus menores.

Embora Leibniz não apresente as coisas exatamente dessa forma, conhecimento e poder sem limites, permitem (impõem) suas aplicações da melhor forma, ou seja, com sabedoria - tanto metafísica quanto moralmente falando; então:
"Quanto mais estivermos esclarecidos e informados sobre as obras de Deus, tanto mais dispostos estaremos a achá-las excelentes e inteiramente satisfatórias em tudo que possamos almejar".
Graças a essa última conclusão, Leibniz discorda das correntes de pensamentos:

Importante: para Leibniz a Natureza é obra de Deus e não o próprio Deus.

  1. Não há regras de bondade e de perfeição na natureza - o último argumento exposto derruba esta tese;
  2. Se Deus fez, é bom - Leibniz discorda dessa forma passiva e simplória -, pois se Deus fosse um tirano e nos fizesse o mal, encararíamos como um bem por ser um feito Seu. Ele faz o bem devido à Sua suprema sabedoria "é preciso que Suas obras tragam em si o caráter de Deus" (perfeição máxima, portanto o melhor);
  3. A beleza do universo e a bondade atribuída por nós às obras de Deus, não passam de conceitos humanos sobre um Deus concebido a nossa própria maneira (humana) - (partindo de que Deus exista) que sentido haveria então para louvá-lo e adorá-lo se as coisas assim fossem?
Leibniz conclui:
"(...) parece que toda a vontade supõe alguma razão de querer, razão esta naturalmente anterior à vontade. (...) A mim, pelo contrário, me parece tão-somente consequências de Seu entendimento, o qual seguramente em nada depende da Sua vontade, assim como Sua essência também dela não depende".
Aqui o conceito (que eu acho) o mais controverso: Para Leibniz parece que Deus faz o bem (perfeito) porque é obrigado a isso (auto-imposto), por ser de Sua natureza suprema, e ele não poderia se voltar contra ela... Uma espécie de paradoxo.(será que é por isso que Ele teria criado o demônio?)

Claro que essa é só a ideia inicial, tem um livro inteiro para defender estas teses. Aguarde as continuações!


Texto e interpretação: Rodrigo Nogueira
Fonte: LEIBNIZ, G. W., Discurso da Metafísica, Parágrafos 1 e 2 - Editora Martins Fontes.

domingo, 20 de março de 2011

Serie "Música do Outro Mundo" - Capítulo 2: Índia - Indicações e Resenhas


RECAPITULANDO...

No primeiro capítulo da serie (para ler, clique AQUI), conhecemos um pouco da tradição musical da Índia e países fronteiriços. Foi abordado um pouco de suas formas e instrumentos, além de conhecermos alguns artistas importantes daquela região do mundo.

Com a intenção de introduzir gradualmente o leitor e ouvinte nesse "outro mundo" musical, disponibilizei dois álbuns em que há muita referência da música ocidental presente, embora a tradição da música clássica indiana  seja evidente. Hoje vamos mergulhar na música tradicional daquela região. Para a boa apreciação das obras é necessário o desprendimento dos preconceitos e paradigmas.

AVISO: Como boa parte do material abordado é de cunho ritualístico, pede-se prudência à ouvintes com alto grau de sensibilidade, pois são mais suscetíveis aos efeitos das músicas.

OBSERVAÇÃO: Infelizmente não consegui disponibilizar os álbuns para baixar, mas todos eles podem ser encontrados nas melhores lojas virtuais. Entretanto achei algumas coisas... (mais uma vez, faço uso da excelente revista Classic CD)

Pronto para a viagem?

The Passion of Pakistan - Iqbal Jogi & Party - 

1 - Lorau
2 - Momil Rano
3 - Kohiari
4 - Lal Mori Pat
5 - Bhairveen
6 - Sorath
7 - Pahari I
8 - Pahari II








Uma gravação extraordinária, feita nos anos 50, e um claro exemplo de como a cena musical do mundo progrediu desde então. Quando foi lançada, esta coleção da enlevada música folclórica sufi da região de Sindhi, no Paquistão, foi rotulada de "álbum exótico e sensacional, com música de encantadores de serpentes". Muitas das extasiantes melodias e modelos pergunta-resposta devem ser conhecidos pelos que estão familiarizados com o Qawwali (explicado no capítulo anterior), os sinuosos "murli" que substituem a voz.


Cotação do álbum (0 a 5): 4


Exemplo raro de música Sindhi






Ashit Desai presents Mangal Dhwani -


1 - Mangalam - baseada na raga Yaman
2 - Anand - Kajri
3 - Prakash - Mishra Piloo
4 - Sundaram - Mishra Pahadi
5 - Paawan - baseada na raga Malkauns
6 - Shobheet - Mishra Khamaj
7 - Aashirwaad - Mishra Bhairvi





Uma coleção de peças de um encanto imediato, com o mestre Shehnai Shambahji Dhumal. Várias melodias derivam de grandes ragas malkauns e yaman , mas o tratamento é lírico, belo e breve, em vez de sustentado e imponente. A execução de Shambhaji Dhumal não possui a intensidade impetuosa e lancinante de Bismillah Kahn, mas não chega a ser tão sentimental ou penetrante quanto leva a crer o livreto que acompanha o CD. Não se trata de um álbum essencial, mas é uma boa introdução à música indiana.

Cotação do álbum (0 a 5): 3

Mangal Dhwani "esmirilhando" no dueto com a impressionante cantora!



Four Dhuns - Hariprasad Chaurasia

1 - Pahadi Dhun
2 - Shivranjani Dhun
3 - Pilu Dhun
4 - Bengali Folk Tune












Anos atrás, fui relutantemente persuadido a ouvir um recital de Harisprasad Chaurasia. Parecia haver poucas chances de o bansuri, ou flauta de bambu, ser capaz de alcançar a intensidade expressiva do sarangi ou do shehnai (veja o que é no capítulo anterior). Eu não podia estar mais errado. Nas mãos de Chaurasia, este instrumento simples torna-se terno, queixoso, profundo, belo. Este, seu enésimo álbum, apresenta quatro dhuns, as canções as vezes executadas no final de um concerto, para fazer com que a plateia desça das alturas da raga para o chão.

Cotação do álbum (0 a 5): 5

O Pahadi Dhun (em 2 partes) - Harisprasad Chaurasia

Não deixe de ver, impressionante!! (mas depois volte...)



A Jugalbandi - Pandit Bhimsen Joshi & Dr. Balamurali Krishna

1 - Raga Bhairav - Alap
2 - Raga Bhairav - Khyal in drut teental













O Jugalbandi, ou dueto, é uma das formas mais atraentes da música clássica indiana: dois solistas se debatem, brincam, seduzem, aplaudem e exaltam um ao outro. Esta execução ao vivo do bhairav hindustânico, uma raga matinal (novamente, verifique o capítulo anterior) é particularmente fascinante por reunir dois grandes cantores, um - Bhimsen Joshi - de tradição hindustânica, e o outro - Blamurali Krshna - de tradição karnatak (consulte... bem, você já sabe onde). A interação entre os cantores é realçada por suas diferentes posturas e estilos. Uma gravação majestosa.

Cotação do álbum (0 a 5): 4

O canto também pode ser assim!





Ras Rang, The Evolution of Thumri, Volume 1

1 - Thum Radhe Bano Shyam
2 - Aye Khelan Ko Phag
3 - Kin Bairan Kaan Bhare
4 - E Ri Sakhi Piya Ghar Aaye
5 - Man Mohan Shyam Rasia
6 - Kaisi Ye Bhalai
7 - Jane de Maika Suna Sajanavan
8 - Hato Shyam Nahi Roko Mohe Barjori
9 - Ja Ja Re Kagawa
10 - Shyam Sunder Banwari
11 - Hori Khelan Kaise Jaun
12 - Chahe to Mera le Le
13 - Kahe Mose Nana Lagaye


O grande fotógrafo estadunidense William Gedney evocou a thumri em termos de "alegre gingar de garotas usando saris. Ela estendeu as mãos para o belo estrangeiro moreno: 'Vem dançar comigo no bosque de bânias'. É a sensação da lua cheia em uma noite nublada.", o que sintetiza com exatidão o caráter deste excelente exemplo da música clássica ligeira executada por cantores que incluem Parween Sultana, Shobha Gurtu e Uday.

Cotação do álbum (0 a 5): 5

Parween Sultana no thumri



AUDIÇÃO COMENTADA


Shobha Gurtu interpreta - Hori Khelan Kaise Jaun (trecho final)


Shobha Gurtu
Executada por Shobha Gurtu - mãe de Trilok, uma das figuras pioneiras da fusão oriente-ocidente - esta bela peça é um perfeito exemplo do thumri, o estilo clássico ligeiro de se cantar. Sua delicadeza de expressão não tanto do eterno feminino mas da eterna jovialidade feminina se ouvem ao longo de toda a simplicidade "bordada" de uma canção sobre os desejos frustrados de uma jovem de ir brincar com Krishna no festival de Holi.


Assim terminamos esse capítulo e nossa viagem pela Índia. Espero que você tenha gostado! Domingo que vem, a serie continuará com o capítulo 3, que nos levará para "OUTRO MUNDO" - Até breve!


* Diga o que está achando da serie! Compartilhe suas descobertas ou se já é familiarizado com esse mundo - seu comentário é o melhor indicador para saber sobre a qualidade do blog!

domingo, 13 de março de 2011

Serie "Música do Outro Mundo" - Capítulo 1: Índia


A grande força da música indiana está na forma pela qual ela se mostra totalmente física, erótica e profundamente espiritual - Geoff Dyer

Parte da música mais inovadora recentemente combinou elementos da música clássica indiana com vários tipos de música ocidental. O Anokha de Talvin Singh e os vários remixes de Nusrat Fateh Ali Khan - Night Song e Star Rise - integram os ritmos da dança contemporânea com modelos e floreios do subcontinente, para se criar um som totalmente contemporâneo que também alude ao atemporal.

Anokha - 1997
Night Songs - 1996
Star Rise - 1996

Os puristas podem argumentar que, desta forma, a tradição clássica está sendo expoliada e vulgarizada, mas é provável que, por exemplo, o conhecimento - e o respeito - internacional da obra devocional tradicional de Nusrat na verdade foi incrementado por seu desejo de se desviar dela. Também parece provável que os exemplos vocais e instrumentais encontrados em álbuns como os dele tenham incentivado os ouvintes a explorar a cultura de que foram extraídos. A atração dos cantos estáticos de Qawwali*(consulte notas ao final do artigo) é algo imediato, imenso e surpreendente. Os apelos da música clássica indiana são mais sutis, mas não menos sedutores.

Genericamente falando, existem duas tendências principais na música clássica indiana: a karmatak no sul da Índia e a hindustânica no norte. Dentro dessas formas principais existem inúmeras subdivisões. Na música hindustânica, por exemplo, a variedade da música vocal vai da dhrupad, extremamente austera, à thumri ou "clássica ligeira". A voz humana está no centro da tradição (não é incomum encontrar estudantes de um instrumento recebendo lição de um cantor), mas uma variedade de instrumentos agora aspiram ao papel da voz.

De certa forma é pena que a cítara e o sarod - dois instrumentos dos mais "estrangeiros" aos ouvidos ocidentais - tenham-se identificado tão firmemente com a música indiana em muitas mentes ocidentais, chegando a se tornarem sinônimo dela. O campo, evidentemente, é muito mais amplo e mais variado que a fama de Ravi Shankar pode nos fazer crer. O violino há muito se tornou parte da tradição karmatak, e Srinivas, um músico de talento precoce, fez do bandolim um instrumento solista.

Cítara
Sarod

Isto é algo que vemos ocorrer repetidas vezes no desenvolvimento da música do século XX: um ou dois executantes excepcionais elevando um instrumento secundário ou de apoio - ou seja, que acompanha um cantor - a instrumento solista. Sultan Khan e Ram Narya fizeram exatamente isto com o sarangi, um instrumento de cordas cujo "soluço" tem uma capacidade única de comover a alma do ouvinte (num recital londrino de Sultan Khan, um gemido sub-orgásmico percorreu a plateia assim que a primeira nota se fez ouvir!). O shehnai é um instrumento de sopro, similar ao oboé, que pode soar lamentoso, lírico e, nas mãos de Bismillah Khan, incrivelmente engraçado.

Sarangi
Shehnai

Qualquer que seja o instrumento, a maioria das variantes da música clássica indiana estão enraizadas na raga, um molde ou modelo melódico a partir do qual os músicos improvisam. Existem milhares de ragas, mas o núcleo das execuções gravadas baseia-se em um número relativamente pequeno. Cada raga tem seu próprio caráter, normalmente correspondendo a um momento do dia ou da estação do ano, mas, como no melhor jazz, a personalidade emotiva e espiritual do músico é extremamente importante. As explicações técnicas do que está ocorrendo em termos de batidas, ciclos e escalas são imensamente complexas, mas tudo o que é preciso, na verdade, é ouvir.

O problema é encontrar o tempo - e o silêncio - para ouvir: um CD de 70 minutos as vezes contém apenas uma peça. Sem dúvida, não se trata de música de fundo: é preciso mergulhar nela, entregar-se completamente a ela. E embora se possa pular as passagens cumulativas, isto se constitui em um anticlímax, pois o clímax na verdade começou muito lá atrás, com a primeira nota! Por vezes, 90 por cento de uma raga é improviso em torno de sua expressão mínima, mas, quando bem executada, então toda a raga - sua essência, suas ilimitadas possibilidades - irá, paradoxalmente, estar implícita em cada nota. A estabilidade é propiciada por um bordão, uma espécie de tônica, a tela sobre a qual o músico-artista irá trabalhar.

Tablas

O solista então embarca no alaap, uma exploração-criação lenta, desacompanhada e improvisada da raga. Gradativamente, uma pulsação é introduzida. Este gera uma necessidade de percussão (tabla, a mais comum) e o início da seção composta do recital. A interação entre o instrumento solista e a percussão torna-se cada vez mais intimamente entrelaçada, construída rápida e intensamente para se constituir em um clímax prolongado e em crescendo*. As latentes conotações sexuais destes termos não são acidentais: a grande força da música indiana está na forma pela qual ela se mostra totalmente física, erótica e profundamente espiritual.

Extraído da revista Classic CD Nº 18

NOTAS

Qawwali é uma forma de música Sufi devocional popular no sul da Ásia, particularmente em áreas com uma forte presença de muçulmanos historicamente, como o Paquistão, Punjab , Sindh, Hyderabad e partes do norte da Índia. O estilo é raro, embora não totalmente ausente, no Norte e no Oeste do Paquistão, Bangladesh, e Caxemira. É uma tradição musical que remonta a mais de 700 anos. (Wikipedia)

Crescendo - aumento gradativo e constante do volume da música.





PRÓXIMO CAPÍTULO: Indicações de discos, resenhas e audição comentada - NÃO PERCA!




DIVIRTA-SE!

Anokha - Talvin Singh
Night Songs - Nusrat Fateh Ali Khan

sábado, 12 de março de 2011

Nova Serie: "Música do Outro Mundo" - Introdução

O que existe do outro lado do muro!

Para a grande maioria das pessoas do chamado Ocidente, música limita-se às influências exercidas pelos Estados Unidos e Inglaterra. No nosso Brasil "colônia" isso não é diferente - grande parte da produção musical nacional é em cima dessas influências.

Nada contra a chamada música ocidental, muito pelo contrário, há um grande número de artistas, estilos e obras de qualidades indiscutíveis, o que me incomoda um pouco é o fato de nos limitarmos a elas, ou seja, encontramo-nos na quase absoluta ignorância quando o assunto é a música do "resto do mundo".

Esta serie que proponho aqui no blog Sons, Filmes & Afins tem por objetivo apresentar um pouco da produção musical de qualidade desse "outro mundo" - suas formas diferentes de composição, seus instrumentos de timbres incríveis e talentosos artistas.

Mais uma vez, faço uso do material da (infelizmente) extinta revista Classic CD que nos trouxe, no final do século XX uma variedade de artigos de suma importância para os desbravadores do Universo Musical.

Os artigos da serie "Música do Outro Mundo" virão em capítulos que apresentarão os panoramas musicais de regiões pouco exploradas por nós, inclusive, por mais incrível que isso possa parecer, do nosso desprezado Brasil.

Trarei outras formas de composição, instrumentos e sonoridades exóticos, indicarei e resenharei artistas e álbuns.

Convido você, amigo leitor, a conhecer a "Música do Outro Mundo"!

Observações: Para facilitar a leitura da serie, disponibilizo um menu com os artigos publicados (Clique AQUI). As postagens serão aos domingos.

Abraço!

Rodrigo Nogueira

domingo, 6 de março de 2011

50 Obras Revolucionárias - Nº 1 ...E a música mais revolucionária é...

Igor Stravinsky
Hoje completa-se o ciclo de 50 semanas com 50 artigos justificando quais as 50 obras musicais mais revolucionárias da história. É com muito prazer e satisfação que hoje apresento a música Nº1!!

Para conhecer o projeto "50 OBRAS REVOLUCIONÁRIAS", clique AQUI!

Para conferir o índice com as "50 OBRAS REVOLUCIONÁRIAS", clique AQUI!


Os críticos concordaram que a obra musical mais revolucionária é a arrebatadora Sagração da Primavera. Com uma obra que ainda conserva seu poder de chocar, Stravinsky tornou-se, da noite para o dia, o notório pai da música do século XX. Revisitamos a desastrosa estreia, explicando a enorme fama da Sagração e revelando sua melhor gravação. (Segue o artigo completo da revista Classic CD, escrito pelo crítico Michael Hayes)

  • 1 - A Sagração da Primavera (1913) - Stravinsky
Vaslav Nijinsky
A cena da mais famosa agitação da história da música foi o recém-inaugurado Théâtre des Champs-Elysées de Paris, em 19 de maio de 1913. O programa, composto por quatro obras com os Balés Russos de Serge Diaghilev, incluía três belos e comportados balés: Les Sylphides, Le Spectre de la Rose e um sucesso da temporada anterior, as "Danças polovtsianas" da ópera Príncipe Igor de Borodin. E havia uma nova obra: A Sagração da Primavera, com o subtítulo de "Cenas da Rússia Pagã", com coreografia de Nijinsky, o super-astro em ascenção. O regente era Pierre Monteux; e a música era de Igor Stravinsky, que saíra, nos últimos anos, da obscuridade para a posição de um dos mais famosos jovens compositores da época.


A estranha música da introdução d'A Sagração da Primavera já havia provocado um sussurro de descontentamento por parte da seção mais elegante da plateia. Quando a cortina subiu, para revelar o que Stravinski muitos anos depois descreveu como "um grupo de Lolitas de tranças e pernas tortas saltando para cima e para baixo", o auditório desintegrou-se num semi-caos. Os gritos das ultrajadas damas da sociedade eram acompanhados pelos berros de aprovação dos que assistiam ao concerto em pé, no fundo da plateia. Evidentemente, a maior parte da música não conseguia ser ouvida. Um Stravinsky furioso foi para os bastidores e encontrou Nijinsky em cima de uma cadeira na coxia gritando números para os bailarinos, que tampouco conseguiam ouvir a música.

Stravinsky na polícia
É uma boa história, e realmente aconteceu. Mas, na verdade, não explica o enorme impacto da partitura de Stravinsky sobre a história da música. O tumulto da plateia era uma especialidade parisiense naquela época. (Durante um tumulto similar na estreia francesa das Cinco peças para orquestra de Schoenberg em 1912, ouviu-se uma dama distinta gritar: "É uma desgraça sujeitar viúvas de guerra a uma coisa como esta!") A causa principal do tumulto da primeira noite foi, sem dúvida, a coreografia de Nijinsky que deve ter parecido provocativamente excêntrica na época; execuções posteriores, durante a mesma temporada, tiveram melhor acolhida. E a estreia da Sagração como obra de concerto em Paris no ano seguinte foi um imenso triunfo, com Stravinsky sendo depois carregado nos ombros pelas ruas por exaltados admiradores.

Quase cem anos depois, houve uma redução no impacto do colossal poder rítmico da música, muito reforçado pelo uso de uma poderosa orquestra (madeiras a cinco, oito trompas, cinco trompetes, três trombones, duas tubas, percussão variada e cordas), por Stravinsky. A tendência virtuosística do compositor russo para o ritmo já havia se evidenciado em O Pássaro de Fogo e Petruchka, mas se tratava de um senso rítmico rico e inflamado, embora ainda reconhecido como autêntico ritmo de balé. Como convém ao assunto étnico, não clássico, da Sagração, sua linguagem rítmica era diferente: pesada, inflexível, de pés batidos na terra e subversiva.

O traço realmente notável da partitura, contudo, é como ela consegue seu poder de terremoto. O uso que Stravinsky faz da percussão é bastante restrito, além de uma bateria de tímpanos (em uma complexa execução que exige dois instrumentistas). Em vez dela, ele usa toda a orquestra como uma única unidade percussiva. Enquanto trabalhava na partitura ao piano (como sempre fez), ele descobriu-se explorando o efeito de acordes superpostos em diferentes tonalidades - literalmente, uma tonalidade na mão esquerda e outra na direita.

Ele percebeu que essas combinações de acordes eram unidades de material musical bruto que podiam proporcionar os complexos ritmos irregulares que estava instintivamente buscando. Neste sentido, sua própria versão para dois pianos da Sagração, feita para ensaios do balé original, é bastante interessante. Se você estiver interessado, experimente a excelente execução de Benjamin Fritch e Peter Hill pela Naxos. Os acordes superpostos no coral Zvezdoliki (O Rei das Estrelas), composto pouco antes de A Sagração, são os precursores da ideia, mas nessa obra eles evocam uma imobilidade mágica e visionária. O fato de Stravinsky perceber que o mesmo artifício podia ser trabalhado exatamente no sentido oposto - o desencadeamento elementar do ritmo  foi um verdadeiro golpe de gênio.

Mesmo assim, esta foi uma daquelas revoluções que parecem ter iniciado e encerrado suas mais fortes possibilidades em uma única e surpreendente realização. Stravinsky poderia ter facilmente escrito para uma orquestra tão grande em suas obras posteriores, mas ele nunca o fez, e esta influente partitura, na verdade, tem pouquíssimos sucessores em sua obra ou nas de outros compositores. (Entre os cataclismas similares estão Amériques e Arcana de Varèse, a Tuarangalîla-symphonie de Messiaen e A Máscara de Orfeo de Birtwistle.) Pois esta é uma música que olha tanto para trás quanto para frente.

Mestre Rimsky-Korsakov
Apenas cerca da metade da obra é, na verdade, composta por ritmos explosivos e marcantes. Boa parte do resto é música exótica e evocativa, arrebatadoramente orquestrada e relacionada com o bruxuleante mundo sonoro do reverenciado mestre de Stravinsky, Rimsky-Korsakov.

Vários dos temas da Sagração, como o bizarro solo de fagote que abre a obra, baseiam-se em canções folclóricas, na época um recurso tido em alta estima entre os compositores russos. O título original de Stravinsky para A Sagração era Vesna Svyaschennaya, "Sacra Primavera", evocando algo essencialmente russo, o que fica claro desde o início de sua Introdução - uma colagem serpenteante e borbulhante de linhas musicais quase visivelmente evocativas, segundo Stravinsky, do "mais maravilhoso evento anual de minha infância... a violenta primavera russa que parecia começar em uma hora, e era como se toda a terra estivesse se fendendo".

Primavera Russa
Qualquer gravação de qualidade tem que expressar o máximo possível desses múltiplos componentes. Trata-se de uma tarefa difícil de ser cumprida e, além disso, o status d'A Sagração como um clássico que sempre vende significa que não pode deixar de ser gravada com muita frequência e rotineiramente. A maioria das versões se anulam justamente por essas razões. Das restantes, algumas das melhores estão inexplicavelmente fora de catálogo (por exemplo, Tilson Thomas e a Sinfônica de Bostom pela DG, ou a gravação de Monteux de 1951 pela CA), ou que pelo menos estavam quando fiz esta pesquisa (por exemplo Inbal e a Philarmonia, relançada). Mas lá vamos nós...

Aaaantes de entrar nas análises interpretativas, vamos entender melhor do que se trata a peça:

GUIA RÁPIDO D'A SAGRAÇÃO


De que se trata?
O sacrifício de uma jovem (a escolhida), em celebração ao advento da primavera numa Rússia pagã/antiga/étnica, que dança até a morte diante da tribo.

Como é mesmo??
Foi esse cenário que Stravinsky e Nicholas Roerich, pintor e arqueólogo, elaboraram para a última encomenda feita ao compositor pelos Balés Russos, a companhia de Diaghilev. Stravinsky estava interessado nas explosivas possibilidades dramáticas latentes na ideia. Ele também era jovem, determinado, tremendamente ambicioso e - como ficara claro nas estreias de O Pássaro de Fogo e Petruchka nas temporadas do Balé Russo de 1910 e 1911 - fantasticamente talentoso.

Por que toda a notoriedade?
Para começar, por causa da legendária reação da plateia presente à noite de estreia de A Sagração da Primavera. ("Exatamente o que eu queria", disse Diaghilev.) Subsequentemente e de maneira mais genuína, devido ao incrível poder de fogo rítmico da música, produzido pela maior orquestra para a qual Stravinsky jamais escreveu. Na verdade, a música ocidental nunca ouvira antes algo semelhante.

ANÁLISES INTERPRETATIVAS

Stravinsky: Estonteante
A gravação do próprio Stravinsky, feita em 1960, tem o brilho de uma revelação. Infelizmente houve boas razões para ela não ser a principal indicação da revista Classic CD, mas ela é nossa primeira opção. A qualidade sonora, embora razoavelmente clara e tridimensional para a época, não se compara às da era digital. A execução orquestral ignora detalhes hoje aceitos por todos ( Na Introdução, por exemplo, o corno inglês não consegue articular as graciosas notas em torvelinho com clareza.) No clímax da Dança do Sacrifício no final ouvimos o timpanista totalmente fora do tempo com relação a todo o resto da orquestra. É surpreendente que esta passagem não tenha sido corrigida. O resto é transcendental. Já na Introdução da Parte 1, temos uma flexibilidade do fraseado espontânea e, ao mesmo tempo, bem controlada, que seduz o ouvido. É admirável como Stravinsky consegue que os músicos individuais caracterizem o que estão executando: o trombone solo em Rondas Primaveris parece ter saído diretamente da História do Soldado, e os trompetes, diretamente de Petruchka. Algum elemento da perfeita articulação e da objetividade simples das Rondas Primaveris lança-nos em um mundo de estepes russas banhadas pelo sol de uma maneira tão vívida que quase podemos sentir o cheiro da relva. Até mesmo as complexas passagens são maravilhosamente claras, e não há qualquer economia no poder de fogo. Stravinsky incorpora suas próprias revisões de 1943 (não incluídas na partitura revisada e publicada em 1947, por ele sancionada e devidamente usada por outros regentes), A Dança do Sacrifício como foi registrada nesta gravação é um importantíssimo documento. E sua regência brilha com valores da produção musical de uma outra era. 

Boulez: Exemplar
Foi Pierre Boulez que, no Festival de Edimburgo de 1967, que regeu a mais excitante execução ao vivo de A Sagração que já ouvi falar, após a qual a resposta da plateia quase pôs abaixo o Usher Hall. Este disco dá uma ideia do porquê dessa reação. Realizada em 1969, é a primeira das duas gravações da obra que Boulez fez com a maravilhosa Orquestra de Cleveland, e suplanta a bela gravação posterior (1991, pela Deutsche Gramophon), à qual falta a mesma eletricidade. Ninguém mais deixa, quase literalmente, que a música fale ou se aproxime mais da descrição que Stravinsky fez do regente ideal: um sineiro na extremidade da corda. Se esta gravação é capaz de gerar entusiasmo - e ela sempre o faz -, é porque a música entusiasma. O controle de Boulez é um fenômeno. Um exemplo dele é a transição do Jogo do Rapto para Rondas Primaveris, a que ele aplica um toque de aceleração - suficiente para produzir uma resposta em toda a orquestra, tão espontânea quanto coletivamente exata. Nenhum outro regente que já ouvi executa a Dança do Sacrifício desta forma, com uma combinação surpreendente de controle sem pressa do andamento, ímpeto inexorável e grandeza monumental. Seu defeito é a quase total ausência de fenômenos atmosféricos. A maneira pela qual Boulez trata a Introdução da Parte II é bonita, mas se trata da beleza desconexa e contida de Ravel, e não a do mundo sonoro brilhante, evocador de Rimsky-Korsakov, do jovem Stravinsky. Mas, à sua maneira, esta é uma abordagem legítima da Sagração da Priavera e da reinvenção que Stravinsky fez de si mesmo como compositor com base na França. Uma gravação essencial, mas longe de definitiva. O fato de estar acoplada com Petruchka torna-a mais atraente.

Järvi: Chocante
Järvi trata A Sagração de modo a obter resultados bastante irregulares. Não há dúvida quanto ao nível virtuosístico de sua fluência e comando. O problema é o que ele faz com esse virtuosismo. Depois de os sopros da Suisse Romande terem demonstrado sua excelência na Introdução, Järvi atribui um andamento empolado aos Augúrios Primaveris, muito aquém da indicação metronômica de Stravinsky. No Jogo do Rapto, evidenciam-se um extravagante nível de decibéis e uma falta geral de preocupação para com o controle de todo e a clareza da textura. A Introdução da Parte II é tocada de maneira tão prosaica que boa parte dela soa como despretensiosa música de balé (o que ela é, mas não deveria soar assim). As deformações incluem um accelerando ao longo dos 11 acordes martelados que levam à Glorificação da Eleita, coisa não prescrita pela partitura. Vistos esses pontos fracos, o que resta para salvar a gravação? Duas grandes coisas. A qualidade visceral desta enorme obra para orquestra é um de seus traços essenciais, e o tremendo volume produzido por Järvi na Dança do Sacrifício, gravada (em 1994) com uma dinâmica coerente, está de acordo com essa visceralidade. Por outro lado, ele destaca em sua leitura a autêntica herança de Rimsky-Korsakov, aparente nas apaixonadas cordas cantantes do Jogo das Cidades Rivais e na adorável luminescência lírica das Rondas Primaveris. Também muito boa foi a escolha de Järvi das peças que completam o disco - três das maravilhosas obras tardias de Stravinsky, inclusive uma das maiores, o Requiem Canticles, todas maravilhosamente executadas. Talvez não seja a melhor Sagração de nossa seleção, mas seus complementos fazem dela a mais atraente.

Ancerl: Enérgico
Uma Sagração tcheca - portanto, deve ser interessante. Mas, por vezes, é também bizarra. Com a Orquestra Filarmônica Tcheca sob a regência de Karel Ancerl, os compassos introdutórios da Sagração da Primavera imediatamente definem o bizarro, com um efervecente solo de fagote acompanhado por uma segunda trompa cujo vibrato é tão amplo quanto o rio Moldávia ao passar por Praga. Mas o que se segue é tão convincente que o ouvinte logo se acostuma com as outras estranhezas - que é como elas soam, pelo menos aos ouvidos da Europa Ocidental - e com o som (bastante bom) registrado em 1964. O trabalho de Karel Ancerl com esta orquestra, a essa altura, já os tinham levado a um notável nível de atuação individual e coletiva. Na Parte I, encontramos um sentido alegre e ensolarado de balé autêntico, como nas Rondas Primaveris e há muito de ferocidade virtuosística quando a celebração fica séria na Parte II. Ao longo de toda a execução, a precisão dos ataques nos acordes é digna das maiores orquestras do mundo. O Cortejo do Sábio, acompanhado por tubas troantes e trompas brilhantes, é um espetacular ponto alto. Mas, então, temos o estranhíssimo andamento com que Ancerl trata a Evocação dos Ancestrais, com literalmente a metade da velocidade claramente indicada pela partitura. Um erro de impressão em sua cópia ou apenas uma leitura equivocada são as possíveis explicações. O efeito é, na verdade, bastante atraente, como se os dançarinos tivessem repentinamente começado a dançar a Sinfonia dos Salmos do compositor russo, mas não deixa de ser um defeito técnico. Não tenho muita certeza se essa objeção deve contar muito, pois todo o resto é de grande energia. Um disco fascinante.


Rattle: Excelente
A gravação de A Sagração da Primavera que Sir Simon Rattle realizou em 1980, depois de muita consideração de nossa parte, acabou por evidenciar-se por si mesma. Talvez porque existam dois tipos de regente seriamente talentosos: os que fingem eficiência e os que não o fazem. Rattle é um dos que não fingem. A incontestável qualidade desta gravação é ela oferecer, por um lado, boa parte da precisão non-sense de Pierre Boulez e, por outro, a expressividade de Järvi. Os sopros da CBSO (City of Birmingham Symphony Orchestra) saem-se muito bem no importante teste da Introdução, com uma clara qualidade sonora, se bem que não idealmente cheia e arredondada. Logo Rattle já está exibindo sua capacidade de moldar as efervescentes linhas líricas da Introdução com uma sutileza que Boulez jamais teria conseguido. Rattle é o único regente aqui listado a observar exatamente os andamentos prescritos por Stravinsky nas Rondas Primaveris, o que funciona de maneira soberba. Ele desembaraça os mais complexos emaranhados orquestrais de uma forma tão clara quanto a de Stravinsky. E seu tratamento a Dança do Sacrifício Final (comprove na audição comentada a seguir) mostra exatamente como se canaliza a força máxima da música sem precisar disparar com ela. Ainda acho que algo da atmosfera exótica da obra se mostra estranhamente ausente (especialmente na Introdução da Parte II). Afinal, esse é um balé com uma história. Nas mãos de Rattle, fica parecendo mais um abstrato Concerto para orquestra. Mas numa única gravação de uma obra-prima como a multifacetada Sagração da Primavera nunca se encontra tudo. Provavelmente, Rattle seja o melhor de nossa seleção. Com certeza, é o mais empenhado.



AUDIÇÃO COMENTADA
Parte II "A Dança do Sacrifício" - Simon Rattle


Na Dança do Sacrifício, no final da obra, uma jovem consagrada ao deus da primavera dança de forma frenética antes de se deixar morrer num auto-sacrifício. Apesar de todas as complexidades técnicas da música, aqui temos a forma simples de um Rondó dançante: ABACA

A. Uma flutuante clarinete baixo comanda a Ação ritual dos ancestrais, e a moça começa imediatamente a dançar - uma combinação de ritmos pesados e assimétricos (acotovelando-se em grupos irregulares de 2, 3 ou 4 batidas) e blocos de acordes estreitamente superpostos. Em 0:22 os tímpanos solos iniciam um motivo obsessivo e oscilante com duas notas. Em 0:30 temos um apêndice enérgico em fortíssimo.

B. (0:33) Cordas, fagotes e trompas pulsam calmamente, estabelecendo um acompanhamento que aguarda o surgimento de um tema. Quando este chega, é um estridente fortíssimo dos trombones (0:48) e trompetes. Em 1:58 os primeiros violinos acrescentam um tema ondulante a lá Scherezade, de inquestionável proveniência rimskyana. Ele é abruptamente interrompido por volta de...

A. (2:10) ... uma repetição da seção inicial, mas um semitom mais baixo (de modo que não soa exatamente como se esperaria.

C. (2:40) Irrompem tímpanos agitados e trombones que rosnam em glissandi, instigados por trompas e trompetes em fortíssimo. Um fragmento de melodia semifolclórica, ouvida pela primeira vez em 2:50, é tocado pelas trompas e predomina cada vez mais. A música de A é brevemente interrompida (3:17), então, a selvagem dança de C recomeça (3:26) com maior ferocidade.

A. (3:49) Uma variante do início do movimento retorna com tubas resfolegantes e trombones resmungões, aos quais logo se juntam os tímpanos (4:00). Em 4:15, o motivo do "apêndice" para toda a orquestra (ouvido pela primeira vez em 0:30) agora se transforma no material que propulsiona a música e a própria Eleita para um clímax sonoro devastador e (em 4:55) um paroxismo final.

VEJA!

VÍDEO - DANCE SACRALE - A escolhida dança até se entregar à morte


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